“Este livro é dedicado a milhares de homens,
mulheres e crianças que perderam a vida num campo de concentração chamado
Colônia”. Assim começa o livro “Holocausto Brasileiro”,
escrito pela premiada jornalista Daniela Arbex.
Foto1: Capa do Livro, fonte no site le livros ou google
“O repórter luta contra o esquecimento. Transforma
em palavra o que era silêncio. Faz memória. Neste livro, Daniela Arbex devolve
nome, história e identidade àqueles que, até então, eram registrados como
“Ignorados de tal”. Eram um não ser. Pela narrativa, eles retornam, como Maria
de Jesus, internada porque se sentia triste, Antônio da Silva, porque era
epilético. Ou ainda Antônio Gomes da Silva, sem diagnóstico, que ficou vinte e
um dos trinta e quatro anos de internação mudo porque ninguém se lembrou de
perguntar se ele falava. São sobreviventes de um holocausto que atravessou a
maior parte do século XX, vivido na Colônia, como é chamado o maior hospício do
Brasil, na cidade mineira de Barbacena. Como pessoas, não mais como corpos sem
palavras, eles, que foram chamados de “doidos”, denunciam a loucura dos
“normais"." Trecho
retirado do Prefácio do livro Holocausto Brasileiro.
Neste livro-reportagem, Daniela
Arbex nos traz uma narrativa até então permanecida no esquecimento da história
do país: a barbárie e a desumanidade ocorridas no maior hospício do Brasil, o
Colônia, lugar onde pelo menos 60 mil pessoas morreram. Lugar de anulação do
sujeito, muros que encerravam a invisibilidade dos “não-civilizados”, onde
cerca de 70% eram internados sem diagnóstico de doença mental: epiléticos,
alcoólatras, homossexuais, prostitutas, rebeldes, meninas que sofriam violência
sexual, esposas confinadas para que o marido pudesse morar com a amante, filhas
de fazendeiros que haviam perdido a virgindade antes do casamento, homens e
mulheres que não possuíam documentos, outros que apenas eram tímidos... Todos
que de alguma forma se tornaram incômodos para a sociedade eram simplesmente
jogados dentro dos muros do hospício e perdiam o direito de viver.
Foto 2: Pacientes na área externa
do hospício, retirada do livro Holocausto Brasileiro
Os maus tratos
iam de comer ratos, beber urina e água do esgoto, dormir sobre capim, à
violência física. Muitos morriam por frio ou fome. Havia ainda as doenças e os
eletrochoques. O objetivo: punir o sujeito por sua incivilidade.
Foto 3: Pacientes na roda da
loucura, retirada do livro Holocausto Brasileiro
Foto 4: Porta da
cela onde os pacientes eram mantidos, onde a pequena janela é a única forma de
manter algum contato com o exterior, retirada do livro Holocausto Brasileiro
Corpos eram
vendidos para as faculdades de medicina, ou decompostos em ácidos na frente dos
outros internos. Os bebês eram roubados de suas mães.
Foto 5: Silvio Savat,
ex-menino de Barbacena, fotografado em 1979, confundido com um cadáver. Tinha o
corpo coberto de moscas. Silvio sobreviveu e hoje reside em
Belo Horizonte no Cepai. Foto de cima:
Napoleão Xavier Gontijo Coelho. Retirada do livro
Holocausto Brasileiro.
Em 1979, o psiquiatra italiano
Franco Basaglia, pioneiro na luta pelo fim dos manicômios, esteve na Colônia.
Após a visita, disse em uma coletiva de imprensa: “Estive hoje num campo de
concentração nazista. Em lugar nenhum do mundo presenciei uma tragédia como
esta”.
Hoje podemos nos chocar com tais
acontecimentos e até mesmo duvidar que tenham ocorrido. Porém, desde a idade
clássica, onde “A Grande Internação”, tal como descrita por Foucault no livro
“História Da Loucura”, teve início, tornou-se muito cômodo para a sociedade do
poder taxar os “não-civilizados” de loucos e vesti-los com a invisibilidade de
um não-ser.
Foto 6: Paciente do Colônia em
sua cela, retirada do livro Holocausto Brasileiro
A reforma psiquiátrica, tal como
coloca Amarante (1995), trata-se de um “processo histórico de formulação
crítica e prática que tem como objetivos e estratégias o questionamento e a
elaboração de propostas de transformação do modelo clássico e do paradigma da
psiquiatria”. Tal movimento surgiu com Franco Basaglia, na Itália, com a
proposta de devolver o direito de cidadania dos “loucos”.
Foto 7: Pacientes em seus leitos,
com o direito de viver extraído, retirada do livro Holocausto Brasileiro
No Brasil, nos anos 70 e 80, com
o surgimento de diversas críticas e denúncias ao sistema psiquiátrico vigente, criam-se
diversas reivindicações com proposta de mudança; o Movimento dos Trabalhadores
em Saúde Mental (MTSM) alcançou grande repercussão e liderou as lutas pelo fim
dos manicômios no país.
A Lei 10.216/01 – aprovada após
12 anos de tramitação – ficou conhecida como Lei da Reforma Psiquiátrica
Brasileira e trouxe diversas mudanças significativas à luta antimanicomial,
inclusive com a data 18 de maio marcando o Dia Nacional da Luta Antimanicomial.
Nesses traços históricos
visualizamos que a própria psiquiatria contribuiu muito para que a sociedade
entendesse que o louco é perigoso, que o lugar do louco é no hospício. Essa
realidade, no entanto, está mudando. Apesar das dificuldades, já podemos ver que
muitos entendem que a categorização da doença reduz a existência do sujeito, e
que a saúde mental é para cuidar, e não excluir. Essa mudança ainda está em
processo, um processo social gradual, no qual é preciso mudar mentalidades,
atitudes e relações sociais.
Foto 8: Pacientes
internados em sua incivilidade, retirada do livro Holocausto Brasileiro
Em Holocausto Brasileiro, a
autora intercala suas reportagens com depoimentos dos sobreviventes do
hospício, envolvendo o leitor com horror e emoção aos olhos desta tragédia. Na
Colônia, somente a partir dos anos 80, quando a reforma psiquiátrica ganhou
força no Brasil, a realidade começou a mudar. Hoje ainda existem cerca de 200
sobreviventes que aguardam transferência para residências terapêuticas.
“Nem no moral, nem no
físico, existe homem absolutamente normal. O homem perfeito é pura criação do
espírito: a vontade, determinando-se por si mesma, é uma concepção abstrata da
razão. O homem normal, como nos é permitido conhecê-lo, é um indivíduo dotado
de atividade psíquica mais ou menos regular”.
Por: Kristine Albuquerque
Conheça a obra! Disponível em http://lelivros.us/book/download-holocausto-brasileiro-daniela-arbex-em-epub-mobi-e-pdf/
A loucura no colo da arte: ouça
“Bicho de Sete Cabeças” em https://www.youtube.com/watch?v=TgeF4V_NsbE








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