Transtorno depressivo maior
e o risco de suicídio estão entre os fatores que mais preocupam especialistas
Pesquisa da Unicamp revela
que fatores culturais podem fazer com que adolescentes com orientação
homossexual tenham a saúde mental mais fragilizada que adolescentes
heterossexuais. De acordo com a psicóloga Daniela Barbetta Ghorayeb, autora da
tese “Homossexualidades na adolescência: saúde mental, qualidade de vida,
religiosidade e identidade psicossocial”, orientada pelo professor Paulo
Dalgalarrondo, o preconceito sofrido pelos adolescentes está entre um dos
fatores de risco para a saúde mental. “Não podemos dizer que o preconceito é
causa determinante de pior saúde mental, mas o identificamos como fator de
risco”, diz Daniela.
A psicóloga acrescenta que
uma das finalidades desse estudo, assim como de outros dois, de mesmo desenho,
desenvolvidos no Laboratório de Saúde Mental e Cultura da Faculdade de Ciências
Médicas (FCM) da Unicamp, é avaliar o impacto da discriminação na saúde mental
de sujeitos de orientação homossexual.
De modo geral, 40% dos
adolescentes homossexuais manifestaram prevalência de transtornos mentais,
contra 20% do grupo controle. O transtorno depressivo maior e o risco de
suicídio estão entre os fatores preocupantes para os especialistas. De acordo
com os resultados da pesquisa, obtidos em entrevistas realizadas com
adolescentes selecionados por Daniela, 35% dos sujeitos que se identificaram
como homossexuais apresentaram transtorno depressivo maior em algum momento da
vida. Entre entrevistados do grupo controle (heterossexuais), apenas 15%
apresentaram depressão. Quanto ao risco de suicídio, 10% dos adolescentes
homossexuais demonstraram tendência em algum período da vida. Daniela esclarece
que o grupo controle é pareado por idade, escolaridade e gênero.
Se a formação da identidade
naturalmente é algo complexo ao longo da adolescência, quando vem acompanhada
de temor ao preconceito e às dificuldades nas relações sociais, pode tornar-se
uma fase de sofrimento. De acordo com Daniela, especialista no atendimento a
adolescentes, a busca por serviços de saúde mental é maior (62,5%) entre adolescentes
homossexuais. “O problema se acentua com as mudanças naturais ocorridas nesta
fase da vida”, salienta. Mesmo apresentando uma porcentagem menor, a procura
por cuidados especializados também é grande entre adolescentes heterossexuais
(47,5%), conforme a pesquisa. Ela explica que quando decidiu estudar a
homossexualidade na adolescência, partiu primeiramente da reflexão sobre a
sexualidade nesta fase da vida de maneira geral. A transformação do corpo da
infância para a adolescência representa uma série de ganhos, mas também perdas
e conflitos, como um sentimento de perda da condição infantil, segundo a
pesquisadora.
Num estudo anterior,
realizado com adultos de orientação homossexual, Daniela descobriu que o
impacto do preconceito na saúde mental é diferente entre homens e mulheres. Na
própria cultura brasileira, o contato afetivo entre mulheres é visto com
naturalidade, mas entre homens, sejam homo ou heterossexuais, o afeto é visto
com preconceito. “Em nossa cultura, a proximidade física entre mulheres é vista
como expressão de carinho apenas. Há uma relação mais afetiva. Quando se pensa
em duas mulheres juntas é como se aquilo não fosse tão escandaloso. Existe uma
tolerância maior do que em relação aos homens”, explica.
Família
O acolhimento do adolescente
homossexual por parte da família funciona como fator de proteção em relação ao
preconceito. “É importante que a família aceite a diferença sem julgar, pois o
adolescente que tem respaldo familiar pode sofrer menos fora de casa. Não se
sente desconstruído como sujeito”, explica Daniela.
Por outro lado, muitos
manifestam o medo de a família sentir-se envergonhada por conta da orientação
sexual. Quando decidem se assumir para a família, os adolescentes podem
experimentar sentimento de menos valia, de acordo com o recente estudo. A
psicóloga observou que 35% internalizam o sentimento de vergonha da orientação
sexual a partir da suposição de que o outro está sentindo vergonha deles. “Eles
tomam para si a vergonha que supõem causar no outro. Isso é chamado de
internalização da homofobia. Assim como internalizamos coisas positivas e
negativas que vêm das relações que estabelecemos, seja em família ou num grupo
social. No sentido do preconceito, é como se a violência própria da homofobia
se tornasse uma marca que pode fazer com que o sujeito sinta-se sempre à
margem, rejeitado”, explica.
Especialistas
falam em geração pós-gay
Quem se dispõe a estudar
adolescentes tem de estar preparado para surpresas, na opinião de Daniela. Nas
entrevistas, um número grande dos entrevistados se recusou a responder sobre
sua orientação sexual, por não quererem ser enquadrados em nenhum grupo.
Segundo a psicóloga, eles são de uma geração que não aceita mais ser rotulada
como gay, bissexual, homossexual, heterossexual, mas sim ser tratada como João,
Maria, Beatriz, seja qual for o nome de batismo. Segundo o especialista inglês
Philip Hammack, estudado por Daniela, esses adolescentes representam a geração
“pós-gay”, que, ao contrário de adultos com orientação homossexual, não têm a
sexualidade como o cerne de suas identidades.
“Esses adolescentes vivem
numa atualidade que nos apresenta muitos e novos elementos no desenvolvimento e
constante transformação da identidade. Como fator marcante tem-se a internet,
por exemplo, que é um dos leques que se abrem”, declara Daniela. Para ela, do
ponto de vista do desenvolvimento sexual e da liberdade de experimentação, as
transformações da cultura constituem uma nova visão de mundo.
A psicóloga espera que os
resultados de seu trabalho, armazenados em um banco de dados eletrônico, sirvam
para entender os fatores que afetam a saúde mental dos adolescentes, minimizar
preconceitos e estereótipos e valham como motivação para o desenvolvimento de
futuros estudos. Segundo a psicóloga, a linha de trabalho do laboratório de
Saúde Mental e Cultura lança mão de diversas áreas de conhecimento, como a
antropologia social, integrando teorias e pesquisas, demonstrando com clareza a
dialética que existe entre a formação do sujeito, sua saúde mental e sua
inserção na sociedade.
Daniela pontua que a
homossexualidade foi tirada completamente do manual de classificação de
transtornos mentais em 1986. “É assunto ainda difícil de tratar. Porque há
pouco tempo, a ideia era outra”, reflete. Ela estima a necessidade de algumas
décadas para que haja a mudança de paradigmas na sociedade, pois a psiquiatria
brasileira ainda está no início de seus estudos associando saúde mental de
homossexuais a fatores culturais. Em apresentação dos resultados do doutorado
na Escócia e na Inglaterra, a pesquisadora observou a naturalidade dos
especialistas ao se referir à homossexualidade. “O discurso deles flui de forma
menos estigmatizada. No Reino Unido, há muita pesquisa sobre o assunto, então
isso muda tudo. Ao contrário do que acontece no Brasil, as reações são
diferentes quando se fala sobre o assunto”, reforça.
Para ela, o conhecimento
sobre as questões já diminui a ignorância e fornece para as pessoas a chance de
repensar aquilo que tinham em mente. O trabalho é importante não só para
psicólogos ou psiquiatras, mas para todos os profissionais de saúde, que,
conhecendo melhor essa população, podem cuidar melhor do paciente, na opinião
da autora da tese. “Tendo informações e quebrando seu próprio preconceito em
relação a essa população, este profissional tem condições de realizar o cuidado
de forma mais sensível e completa”, deseja Daniela.
Por: Maria Valdilene
Publicações
Tese:
“Homossexualidades na adolescência: aspectos de saúde mental, qualidade de
vida, religiosidade e identidade psicossocial”
Autora:
Daniela Barbetta Ghorayeb
Orientador:
Paulo Dalgalarrondo
Unidade:
Faculdade de Ciências Médicas (FCM )
Disponível em: http://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/ju/marco2012/ju521_pag02.php - Acessado em Maio de 2014.

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